sexta-feira, 5 de março de 2010

Olhos negros


Não me venhas com esses olhos cheios de ternura. Sei bem o que queres de mim. Não me prometas isso ou aquilo. Não creio em ti. Já te vi noutros tempos e tu não eras assim. Estás remoçada, repaginada. Mas te conheço. Não me prometas nada. Já disse.
Teu hálito melhorou, teus dentes estão brancos. Essa roupa ficou bem em ti. Mas não me prometas nada. Por favor, vá embora.
Queres conversar? Sei, és inteligente, conheces tudo do mundo. Não me interessa. Não demora e estarás a me fazer promessas, propondo acordos. Conheço a tua lábia. Tua astúcia me fascina, teus olhos negros me seduzem, tuas promessas me agradam.
Mais uma vez erraste o dia. Concordo, te espiei, flertei. Reconheço. Mas eu não pedi para aparecer de novo.
Ficas com os teus. Esqueça-me por uns tempos. Será bom para nós dois. Sei, tens tempo de sobra e muita afeição por mim. Já te chamei nas piores horas e apareceste sem cerimônia. Teu hálito me assustou. Até a tua voz parece mais suave hoje.
Quem sabe uma taça e apenas conversamos?
Sabia que aceitaria. Teu cheiro está agradável. Chanel? Não. Eu sempre pergunto se é esse. Não conheço muitos outros. Eu não identifico, na verdade. Torço para ser, sempre torço. Se acerto, ponto pra mim. Caso não, digo que é parecido.
Tu nunca havias ouvido isso de mim? É, estou precisando de companhia. Posso fazer algo para jantarmos. O que achas?
Excelente. Posso servir um cordeiro. Não tenho muita coisa em casa, mas com um vinho sempre cai bem. Posso botar uma música? Piaff é muito agradável. Espero que gostes. Sei que gostas.
Bom, não? Tenho ouvido muito. Esse cheiro de alho nas mãos não te incomoda?
O tempo te fez muito bem. Tu estás muito tranquila hoje. Isso é bom.
Nunca havia reparado como os teus lábios são bonitos. Sempre disse que adorava os teus olhos. Teu cabelo ficou muito bem assim. Essa música é linda. Teu beijo é tão suave, tão doce. Por que nunca falaste isso antes? Ah, tu és mesma cheia de surpresas. Posso te levar até a janela? A noite está linda. Isso, podes te debruçar.
Ah, Morte! Foste, hoje, uma tola. Aqui de cima ficou até bonito esse salto, esse vôo, esse estrebuchar.

Um comentário:

Romar disse...

Sei que parece meio óbvio (o que é mesmo o óbvio? a gente nunca chega a acordos quanto a isso) ou oportunista dizer isso num comentário, mas... sem comentários! Tu ta mesmo mandando ver na escrita, meu caro Rudinei. Belíssimo texto cara!