segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Bastardos Avatares

Bastardos Inglórios e Avatar aparecem como possíveis indicados a pencas de prêmios nesse início de 2010. Há conexões entre eles? Penso que sim.
Ambos usam clichês e estereótipos durante toda a trama. Em Bastardos esses clichês são usados ao modo já bem conhecido de Tarantino. São intencionais, fazem parte do seu universo criativo e se transformaram na sua marca mais perceptível. Vemos seus filmes, quase sempre, com a esperança de ver mais releituras, mais variações de violência, mais diálogos improváveis, mais Taratino, sobretudo.
Em Avatar os clichês são levados a sério. Tudo, também, é requentado. Mas tudo é para ser sério. As metáforas não são brincadeiras do diretor. Devem servir para nos fazer pensar. Mas como essa história já foi contada outras vezes, e em formas menos previsíveis, o que sobra de Avatar é entretenimento puro. Cinemão e nada mais. Ou como Aldous Huxley já previa lá no seu Admirável: cinema sensível. Cinema feito para os sentidos mais físicos do ser.
Outra coisa em comum: os militares norte-americanos. Em Bastardos esses militares são formados por um batalhão/gangue de judeus recrutados nos EUA e liderados por um sujeito de procedimentos éticos atípicos para um “verdadeiro” militar. Sua missão: matar nazistas da forma mais apavorante possível com o intuito de gerar pavor entre os militares alemães. Avatar tem os militares num papel, a princípio, de proteção aos grupos de extração mineral que estão em Pandora com a finalidade de explorar um metal muito precioso para os terráqueos invasores. O herói do filme, o homem que renasce entre os Na’Vi como uma espécie de guerreiro-líder- salvador é um fuzileiro americano paraplégico. Há entre os militares do mau o líder que tem uma grande cicatriz na cabeça, é impiedoso e parece ficar repetindo frases de George Bush o tempo todo. Ele é quem lidera a invasão e tentativa de destruição dos nativos de Pandora. O fuzileiro convertido em avatar Na´Vi e de coração valente acaba se tornando o grande líder de uma virada nessa luta entre invasores bem equipados tecnologicamente e nativos cheios de pureza, disposição, corpos perfeitos selecionados pela natureza deslumbrante e hostil de Pandora e conexões USB 3.0 com a sua natureza.
Sim, os EUA agora são mostrados como vilões, como invasores, mas a sua alma – representada pelo fuzileiro que aprende a lição da harmonia entre os Na’Vi – não foi corrompida. Basta haver um redirecionamento de energias e esse povo maravilhoso desempenhará outra vez seu papel para o bem da humanidade.
Em Bastardos os mocinhos agem de forma inescrupulosa, arrebentam cabeças com tacos de beisebol, arrancam escalpos, marcam testas com pontas de facas, torturam. Afinal, quem sentiria alguma pena de nazistas sofrendo. Eles merecem toda a violência possível, certo? Alguém ficou chocado ao vê-los agonizantes? Nesse ponto fiquei pensando numa possível armadilha de Tarantino. Nessa banalização toda da agressão ele não estaria nos mostrando como naturalizamos a ideia de que alguns podem sim ser vítimas de violência? Basta, apenas, que tenhamos em mente, que aprendamos o quanto uns são merecedores dessa violência e outros não. Até que ponto de conhecimento devemos ter para autorizarmos, sem revoltas, a agressão contra comunistas, traficantes de morros, fundamentalistas islâmicos, fuzileiros norte-americanos (ou imperialistas yankes!)?
As obras, felizmente, possuem significados abertos. Tanto mais interessante é essa obra quanto ela consegue abrir possibilidades de leituras. Avatar continua fazendo isso e cada vez me dou conta do quanto ele é superficial e ardiloso. Em Dança com lobos há, pelo menos, um final crível.
Bastardos não procura semelhança com o real. Se isso fosse a intenção seria até um deboche contra judeus e aliados. É um trabalho de Tarantino em todos os detalhes e, quem sabe, podemos tirar algo mais do que diversão e sangue na câmera.

4 comentários:

motel cactus disse...

Rudinei,

Primeiro, parabéns pelo blog. Encontro muitos jornalistas da tua idade e tenho o prazer de te informar que teus escritos estão acima da média e da mídia.

Li o teu artigo sobre "bastardos inglórios" e "avatar". Achei ótimo o comentário final sobre a armadilha de tarantino, e creio que isso informa muito sobre a obra e o próprio diretor, que por mais "working class" que ele tente aparecer, demonstra na sua filmografia uma densidade de signicados e uma inteliência na composição de tudo inerente a realização de um filme.

Já, a respeito de Avatar, acredito que ele, além do nojo que fica no background instintivo de nós (não norte americanos e minimamente informados sobre o maquinário desta indústria) existe muito cinema. Especialmente no que diz respeito ao promover uma idéia de que o cinema (tanto o da mama hollywood, quanto o produzido em quartos obscuros, por jovens esfomeados de bukowski e apaixonados pela possibilidade de criar, com cada vez mais facilidade e visibilidade) existe, como arte, a meros 100 anos. Esse argumento facilmente confundido com sendo positivista e de um saudosismo incapaz, é exatamente o que harmony korine, um dos ícones underground dos anos 90, bem longe de Avatar, afirmou como sendo a sua missão primeira. Prover ao mundo imagens que ninguem mais está provendo, ideia difundida por Herzog do qual o jovem é pupilo. Bom, em síntese: esses filmes, tanto pelo espetáculo tecnológico (Avatar) ou pela criação de imagens realmente subversivas e carregadas de poesia e horror em estado bruto (por sua realidade e sensibilidade frente aos mais estranhos tipos humanos),reanimam, dão esperança a algum futuro, e nessa comparação, encontrei um feixo de luz, um respiro,a verdade por tras de avatar, que em um sentido estritamente histórico, foi realizado por um desbravador com grana, e por outro sem grana e viciado em heroína. Ambos poetas, ambos preocupados com um futuro para o cinema, aliados ainda, a uma vontade irreprimível de originalidade. E creio que apenas isso que deve ser levado em conta (no panorama geral do cinema Norte Americano, que por mais que se brigue, foi concebido por eles e pelo franceses fumando seus cigarrinos < neologismo), um positivismo cego, porém eficiente, e que em alguns casos faz o cinema saltar e implodir em maravilhamento, o que para mim, é a função primeira do cinema, e da arte: inspirar e provar que existe muita vida dentro da vida.
Quem sabe...


Novamente parabéns e keep um the good work.

Ah! aqui é o Pedro, filho de Lélia Mutter...

motel cactus disse...

foi mal a prolixidade, não to muito acostumado em escrever na net... enfim..

Rudinei Kopp disse...

Valeu, Pedro.
Tua avaliação do Avatar me deu um ponto de vista que eu não havia me dado conta. Vou repensar o caso.
Tua postagem deu uma qualificada no blog.
Não me importo com a prolixidade. O blog não tem um perfil muito popular e não procura ser absoluta e plenamente acessível.
Ah, não sou jornalista. Minha formação é em publicidade.

motel cactus disse...

Opa,

Pela vasta apresentação de imagens (e pala qualidade delas e dos comentários a seu respeito) eu entendi tudo agora, tua veia é muito mais artística do que jornalistica num sentido mais estrito. Por tu dar aula no curso de comunicação me precipitei.
Bem, teu blog já tá nos meus favoritos e já repassei prum pessoal que curtiu bastante e ta disposta a escrever algumas coisas mais substânciais.

Harmony Korine (se tu já não o conhece) fez apenas 4 filmes. Recomendo todos (Gummo, Julien donkey boy, mister lonely e recentemente trash humpers).

Abração.