Bastardos Inglórios e Avatar aparecem como possíveis indicados a pencas de prêmios nesse início de 2010. Há conexões entre eles? Penso que sim.
Ambos usam clichês e estereótipos durante toda a trama. Em Bastardos esses clichês são usados ao modo já bem conhecido de Tarantino. São intencionais, fazem parte do seu universo criativo e se transformaram na sua marca mais perceptível. Vemos seus filmes, quase sempre, com a esperança de ver mais releituras, mais variações de violência, mais diálogos improváveis, mais Taratino, sobretudo.
Em Avatar os clichês são levados a sério. Tudo, também, é requentado. Mas tudo é para ser sério. As metáforas não são brincadeiras do diretor. Devem servir para nos fazer pensar. Mas como essa história já foi contada outras vezes, e em formas menos previsíveis, o que sobra de Avatar é entretenimento puro. Cinemão e nada mais. Ou como Aldous Huxley já previa lá no seu Admirável: cinema sensível. Cinema feito para os sentidos mais físicos do ser.
Outra coisa em comum: os militares norte-americanos. Em Bastardos esses militares são formados por um batalhão/gangue de judeus recrutados nos EUA e liderados por um sujeito de procedimentos éticos atípicos para um “verdadeiro” militar. Sua missão: matar nazistas da forma mais apavorante possível com o intuito de gerar pavor entre os militares alemães. Avatar tem os militares num papel, a princípio, de proteção aos grupos de extração mineral que estão em Pandora com a finalidade de explorar um metal muito precioso para os terráqueos invasores. O herói do filme, o homem que renasce entre os Na’Vi como uma espécie de guerreiro-líder- salvador é um fuzileiro americano paraplégico. Há entre os militares do mau o líder que tem uma grande cicatriz na cabeça, é impiedoso e parece ficar repetindo frases de George Bush o tempo todo. Ele é quem lidera a invasão e tentativa de destruição dos nativos de Pandora. O fuzileiro convertido em avatar Na´Vi e de coração valente acaba se tornando o grande líder de uma virada nessa luta entre invasores bem equipados tecnologicamente e nativos cheios de pureza, disposição, corpos perfeitos selecionados pela natureza deslumbrante e hostil de Pandora e conexões USB 3.0 com a sua natureza.
Sim, os EUA agora são mostrados como vilões, como invasores, mas a sua alma – representada pelo fuzileiro que aprende a lição da harmonia entre os Na’Vi – não foi corrompida. Basta haver um redirecionamento de energias e esse povo maravilhoso desempenhará outra vez seu papel para o bem da humanidade.
Em Bastardos os mocinhos agem de forma inescrupulosa, arrebentam cabeças com tacos de beisebol, arrancam escalpos, marcam testas com pontas de facas, torturam. Afinal, quem sentiria alguma pena de nazistas sofrendo. Eles merecem toda a violência possível, certo? Alguém ficou chocado ao vê-los agonizantes? Nesse ponto fiquei pensando numa possível armadilha de Tarantino. Nessa banalização toda da agressão ele não estaria nos mostrando como naturalizamos a ideia de que alguns podem sim ser vítimas de violência? Basta, apenas, que tenhamos em mente, que aprendamos o quanto uns são merecedores dessa violência e outros não. Até que ponto de conhecimento devemos ter para autorizarmos, sem revoltas, a agressão contra comunistas, traficantes de morros, fundamentalistas islâmicos, fuzileiros norte-americanos (ou imperialistas yankes!)?
As obras, felizmente, possuem significados abertos. Tanto mais interessante é essa obra quanto ela consegue abrir possibilidades de leituras. Avatar continua fazendo isso e cada vez me dou conta do quanto ele é superficial e ardiloso. Em Dança com lobos há, pelo menos, um final crível.
Bastardos não procura semelhança com o real. Se isso fosse a intenção seria até um deboche contra judeus e aliados. É um trabalho de Tarantino em todos os detalhes e, quem sabe, podemos tirar algo mais do que diversão e sangue na câmera.