sexta-feira, 6 de junho de 2008

Umberto

Humberto! Humberto, Humberto, Humberto!!!
Viu?! Ele é surdo. Surdo e cego. Está muito velho.
Entre o nascer e o morrer o sujeito espera o tempo consumir os seus sentidos. A vitalidade vai se tornando uma lembrança e em pouco tempo não há nem as lembranças. Humberto tem catarata, não ouve, caminha com dificuldade e os dentes já são raros. Está velho. Faz companhia ou permite que lhe façam. Fica na varanda o dia todo. Às vezes dá algum suspiro de rebeldia e vaga pelas quadras vizinhas. Consegue dar uma escapada. Perde-se e alguém precisa encontrá-lo pelas ruas.
Viemos juntos lá da fronteira. Lá de Rivera, ou Livramento. Para mim, tanto faz.
Minha mulher ficou. Não veio até agora e, pelo jeito, não vem mais.
Ligou pra mim no final do ano. Acho que não estamos mais casados. Preferiu o pai.
Humberto é velho, mas veio. Agüentou a viagem e não se queixa dos novos ares. Acho que, até, gosta. Humberto não está mais em idade de se importar com essas veleidades. Um dia a mais é a glória e não será a falta da campanha ou do minuano que irá lhe fazer mal. As vaidades ficaram para trás e a memória já é um luxo que garante poucas coisas: algum sabor da carne uruguaia, alguma angústia, algum sonho não compreendido.

Esse Humberto é com ‘agá’ ou com ‘u’?
Com ‘u’. Viu?! Ele não tem um só fio branco. Ainda é guapo.
Umberto tem um jeito resignado. Os velhos, muitas vezes, tem um ar imponente. Quase a soberba dos sábios. Umberto não empina o nariz ou parece saber de tudo. Ele só espera. Sabe o que está à sua espera e a respiração denuncia o entediamento de uma tarde de domingo sem fim. Tem razões para isso. O criador já lhe ofereceu o melhor e daqui pra diante não há mais nada. Só um tempo lento. Um tempo que multiplica cada minuto e faz os dias se transformarem em eras.
A estação ameaça virar, ameaça o velho com os humores do tempo gaúcho. Manhã de calorão, tarde gelada e noite de garoa com vento. Esses dias de destempero são a ruína dos desvalidos. O velho corre riscos.
Umberto não é algum umbertodê. Esse Umberto não terá um de Sica. Não correrá atônito atrás de um vira-latas. Este Umberto é um cão velho, sem dentes, cego e surdo.
É meu companheiro. Ele veio. Ela não.

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