O Adão plantou uma árvore bem pertinho da rua. Quase no cordão. Planta de poucas e largas folhas. A muda deve ter uns 60 centímetros. Na hora em que eu passei, ele estava sentado ao lado. Plantou hoje. Ontem passei por ali e ele tratava de espantar as moscas. Agora, uma árvore faz companhia ao mate a às moscas. Deve pensar que a sombra será sua companhia no próximo ano. Ato de fé.
Caminhar tem dessas coisas. O Gonzagão já adiantava que o pobre levava vantagem sobre o rico por poder ver o galo campina, o orvalho sobre o capim e outras revelações só porque caminhava. O rico anda de carro e vê a sinaleira ou o sinal, como dizem na novela. Não sou pobre e caminho por capricho. Porém, caminho. Não me culparei por isso.
Quando se chega ‘de a pé’ na casa dos outros o costume é bater palmas ou dar um assobio se o sujeito tem medo de cachorro. Quando se chega à casa dos queridos o bom hábito diz que devemos ir entrando. Anuncia-se com um ‘opa’ ou qualquer interjeição vernácula. Sabe-se lá o que os queridos andam a fazer e não é próprio dos homens de bem atrapalhar a diversão dos amigos.
É na casa dos amigos que vivemos boa parte das nossas vidas, seja chegando ‘de a pé’ ou sobre rodas ou sobre patas. É na casa dos amigos que aprendemos a cuidar ou não dos filhos e é na casa dos amigos que decidimos ou não a ter filhos. Sobretudo, é tendo amigos que vamos à casa de amigos.
Não se passa a vida toda na casa dos amigos. Quando se caminha pela cidade pode acontecer de passarmos na casa deles. No dia-momento da árvore do Adão eu acabara de passar na casa de um. Passei como quem faz visita de médico. Poucos minutos. Ver se as crianças andam saudáveis (sempre, a seu modo, estão), ver se as coisas continuam andando. Estão, a seu modo. A vida é assim, tem lá suas impertinências.
O Adão vende melancias todos os anos nos fundos do prédio onde eu moro. Bota sua barraquinha num terreno desocupado e os filhos ficam por ali. De tempos em tempos ele traz as melancias de algum ponto do interior de Rio Pardo. Não duvido que seja do Passo da Taquara. Não duvido que seja das terras do Palmiro.
Seu Palmiro anda pousando alguns tempos na casa do tal amigo. É seu sogro. A voz anda fraca. Os olhos não. A alma anda, ainda, a espiar por demais. Assim me parece. Antes de iniciar o tranco de volta pra casa, estico a mão ao senhor que descansa no sofá da sala, digo um até mais e ele pede afetuosamente que eu me aproxime: “seja feliz”. Sai como um fiapo de vida, de urgência em alertar aos mais jovens que a vida é feita pra isso mesmo. Para se ser feliz. Prometo que sim muito mais a ele do que a mim.
Final 1: Não vivo de vender melancias, não preciso da sombra incerta de uma árvore plantada em um terreno incerto que sobreviverá ou não a um tempo e a uma vida incerta. A felicidade é um risco muito grande. Traz muito sofrimento para quem vê o fim se aproximar. Melhor o desencanto. A morte é, então, o tal paraíso.
Final 2: Viver é acreditar que vivemos uma só vez. É apostar que a sombra brotará mesmo na terra alheia, mesmo num cenário completamente adverso e improvável. Viver é ombrear o final e, mesmo diante do provável, pedir para o outro ser feliz, pedir para apostar na vida que seguirá sem ele.
Final 3: Volto pra casa. Entro pelo portão dos fundos. O corpo pede um banho. Pelo terceiro dia seguido entro por este portão praticamente na mesma hora e vejo, pela janela da sala, o mesmo senhor sentado diante da TV. Ele mora no B3. Não nos invejamos, provavelmente. Cada um, a seu modo, repete os dias e vive sem saber o que é depender do tempo para aplacar o sol ou a morte.
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