Cortou caminho pela praça. Começou a travessia usando um corte da quadra em 45 graus. A hipotenusa era mais curta. Matemática prosaica. Deparou-se com o chafariz e seus cavalos-marinhos que cospem água. Fazer a volta, e era inevitável, tornaria o tal caminho mais curto num percurso semelhante à soma dos catetos.
Caminhando cada vez mais lentamente e batendo com os dedos na murada de metal no entorno do chafariz ele acabou parando. Isto ele nem notou.
Desde um tempo já esquecido isso acontecia. Pensava mais um pouco e “acontecer” já não parecia ser o verbo adequado. Desde esse tempo inexistente, porque era incapaz de ser lembrado, ele era. Isso. Ele era assim. Não se tratava de algo que acontecia a espaços de tempos regulares ou não.
Pensou se tratar, depois de solucionado o verbo, de um traço inato. Caiu mal o adjetivo. Por conta disso declarou que inato não era. Seria, então, adquirido. O tempo e as coisas mundanas o tornaram. Tornar-se. Isso sim caía bem. O capricho do pensamento fez ‘ser’ e ‘tornar-se’ entrarem em conflito. Era questão de ordem, pensou. Ele se tornou quem era e desde que se transformou passou a ser quem de fato era. Pois estava bem feita a equação.
A paz, mesmo assim, não encontrou recanto.
Ele era algo e só pode concluir isso. Mas esse era, esse ser não encontrava um eco, uma só palavra que pudesse fazê-lo, pelo menos, discordar. A pergunta era seguida de um silêncio absoluto. Esse lugar quieto e inerte ganhou o nome de ausência. Nessa ausência ele se acomodava com constância.
Naquele canto habitado pelas perguntas que perdem a matéria, ele achou quem era e como havia se tornado nisso. Uma maldição de tempo infinito lançada por uma boca muda tornara-o aquele que nunca está onde está, aquele que sempre foi ou será, aquele que é ausente.
Aquele ponteiro, durante a ausência, continuava sendo uma reta presa a um ponto que servia para fazê-la girar em seu eixo. Contou 180 graus de giro durante o vácuo. Viu-se, ali no meio da praça, como um ponteiro imóvel. Seguiu adiante. Já era tarde.